O Mito da Beleza

Você já ouviu falar sobre O Mito da Beleza? É uma teoria que foi escrita pela escritora feminista Naomi Wolf em 1991. Ela consiste em provar, por meio da análise de diversos eventos históricos, que a beleza é um mito. No livro – que foi traduzido para o português e pode ser encontrado nas principais livrarias – ela disseca os ideais de beleza em diferentes períodos históricos, e nos mostra como os padrões estéticos são desde sempre a principal ferramenta do patriarcado para controlar as mulheres. O que é importante compreender sobre a teoria toda é que: beleza não é sobre estética, é sobre obediência.

Ainda que os padrões estéticos impostos às mulheres existam desde que o patriarcado passou a ser a ordem social universal, existiu um momento específico em que eles se tornaram algo comercializável. De forma bastante resumida, posso contar para você que esse momento foi o pós segunda guerra, ganhando força exponencial da década de cinquenta em diante.

Naomi usa como base para essa análise uma outra teoria – sobre a qual falamos no post sobre dependência emocional – que é a Mística Feminina (Betty Friedan, 1962). As duas juntas mostram que os padrões de beleza foram utilizados como manobra do capitalismo para afastar as mulheres dos postos de trabalho que ocuparam interinamente durante a guerra. Existia na época uma expectativa ilusória de que as mulheres voltariam para o lar quando os homens voltassem da guerra, mas isso não aconteceu. A partir disso, sociólogos do consumo entenderam que a única coisa que levaria as mulheres de volta para as funções domésticas seria a romantização do papel social de gênero feminino – sobre o qual falamos no post sobre feminismo. É por isso que as publicidades dos anos 50-60 são provavelmente o registro histórico mais escancarado do machismo moderno.

A caricatura da mulher feminista – que já era demonizada desde as bruxas queimadas na santa inquisição – passou então a se moldar aos interesses do patriarcado do séc. XX. A intelectualidade era vista como algo não feminino, e qualquer mulher que desejasse ter um marido e filhos deveria ser um pouco inteligente, mas nunca mais do que o homem. Quando pensamos que a ideia da família com marido e filhos era vendida como a meta máxima que uma mulher poderia atingir na vida, foi natural o afastamento das mulheres das universidades. Como consequência, foi também natural o desencantamento das mulheres pela ideia de ter um trabalho e independência financeira. Ainda assim, muitas mulheres não se renderam a essas falácias e continuaram estudando e trabalhando, foi aí que o mito da beleza atacou com mais força. Os padrões de beleza passaram a ser um critério determinante para a contratação e demissão de mulheres no mercado de trabalho. Juridicamente, o argumento de que uma mulher não era bonita ou esteticamente adequada para uma vaga era perfeitamente aceitável.

Imagem: Libcom

Na tentativa de acompanhar esses processos, as mulheres se esforçaram cada vez mais para atender a esses padrões. E adivinhe quem lucra com esse esforço das mulheres? A indústria da beleza! Com isso, podemos compreender facilmente que o capitalismo é completamente dependente da opressão das mulheres. Nesse período específico era tudo bastante conveniente: mulheres que trabalhavam no lar competiam para provar quem era a melhor dona de casa e tinha maior conhecimento sobre diferentes produtos de limpeza e eletrodomésticos, e mulheres que decidiam trabalhar travavam uma verdadeira guerra para serem aceitas no mercado de trabalho, consumindo desenfreadamente produtos de beleza.

Para piorar tudo, na década de 80 a pornografia explodiu, com cenas violentas e mulheres objetificadas até o último fio de cabelo. A profissão de modelo, que antes era ridicularizada, como algo que era a última opção para mulheres sem estudo e sem marido, passou a ser glamourizada. Esses dois fatores representaram referências poderosas na vida das mulheres trabalhadoras, tanto de comportamento como de aparência. As revistas femininas tinham pautas que variavam apenas entre dois assuntos: como agradar homens e como ser mais bonita. Na década de 90, cirurgias estéticas extremamente invasivas eram vendidas como água para mulheres que desejavam desesperadamente se enquadrar nos mesmo padrões que suas influências representavam. Transtornos alimentares chegaram a números alarmantes, nunca antes vistos.

A situação dos padrões de beleza já estava fora de controle há muito tempo quando as redes sociais vieram, para nos brindar com mais um meio de tortura psicológica. Basta navegar brevemente pelo Instagram, para concluir que todas as maiores influenciadoras digitais do mundo são mulheres que ditam e reforçam padrões de beleza. Num movimento natural as mulheres do mundo todo passaram a acompanhar essas mulheres digitais, e viver por meio do que é tendência entre elas. A cinta modeladora, o vestido “embalado a vácuo”, o bumbum grande, as musas fitness, as dietas, os dentes clareados, a harmonização facial, a boca preenchida, os cílios postiços, as unhas de acrílico, os cabelos lisos ou com ondas perfeitamente definidas, a pele de pêssego e mais incontáveis golpes diários nos atingem, tudo isso vendendo a opressão como se fosse algum manifesto por empoderamento e escolhas individuais. Como é possível viver sã sem se excluir da esfera digital?

Há dois anos passei por um processo complicado de transtorno dismórfico corporal, seguido de bulimia, seguido de compulsão alimentar. Cheguei a fazer pastas com imagens de como eu desejava que fosse cada parte do meu corpo. Tinha a sensação de não me encaixar nesse mundo, perguntei a Deus diversas vezes por quê me fez tão feia. E aqui vem o choque: na época eu era modelo.

A conclusão de Naomi cabe perfeitamente na nossa realidade atual, quase trinta anos depois da teoria: a beleza é um mito. Não é algo palpável, não é definida por normas concretas, ainda que possamos definir alguns de seus aspectos. Ninguém está a salvo, nem a mulher mais padrão do mundo.

Mas para que serve então um padrão de beleza, numa era em que as mulheres trabalham livremente? Para nos desfocar! Outro ponto abordado pela teoria do mito da beleza que é extremamente atual é o seguinte: não teremos tempo e muito menos energia para lutar pelos nossos direitos, enquanto a preocupação com a aparência física dominar nossos pensamentos 24 horas, em todo lugar onde estivermos.

Imagem: Bustle

A única saída para esse problema é nos desligarmos completamente da ideia de que a beleza é o mais importante sobre nós, ou de que auto-estima é sobre aceitar o seu corpo como ele é. Amor próprio é sobre amar QUEM você é, não COMO. Invista seu dinheiro no seu conhecimento sobre temas que te interessam, em esportes que te alegrem, em hobbies que te acalmem, porque você merece! Invista seu tempo no seu auto-desenvolvimento, em conversas com as suas amigas e em coisas que sejam importantes para o seu auto-conhecimento e a sua individualidade. Não se preocupe com o
que é bonito, ou em querer redefinir o que é bonito, o bonito nem existe! Ressignifique a beleza em você, se preocupe com o belo no que você vai deixar para o mundo, e no que você tem hoje como oportunidade de construir para as próximas gerações.

A @feminisa usa suas redes sociais para debater e explicar sobre feminismo.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *