Todos nós, habitantes do planeta Terra no ano de 2019, somos fruto de uma construção de séculos que define o casamento como meta máxima a ser atingida na vida. Como tudo o que faz parte da estrutura social patriarcal na qual estamos inseridas, o casamento tem seu significado estrategicamente redobrado quando se é mulher.
Posso afirmar, no auge da minha consciência emocional, aos vinte e seis anos, que todos os relacionamentos amorosos que tive na vida foram influenciados pelas princesas da Disney dos anos 90. A história era sempre a mesma: a mulher se encontrava em alguma situação miserável da qual não era capaz de se desvencilhar sozinha, até que do nada aparece um príncipe sem conteúdo nenhum, eles cantam uma música na floresta e se apaixonam. Então ele passa a persegui-la assustadoramente e por fim resolve todos os problemas de sua vida com um beijo. Suas inimigas, é claro, eram sempre mulheres.
Vale destacar história de princesa mais grave que existe: a da Bela, de “A Bela e a fera”, que é nada mais do que um caso exacerbadamente romantizado de síndrome de estocolmo. Esse ideal de amor romântico é usado há séculos para convencer a nós mulheres de que nada na vida será um problema se tivermos um homem ao nosso lado. Ainda que tenhamos saído do contexto de fantasia medieval, as comédias românticas atuais são apenas uma versão contemporânea do que eram as princesas. Mulheres passivas, desesperadas por um homem, que aparece e dá sentido para tudo em suas vidas.
Dando um pouco de contexto histórico para a minha fala: Na década de 50, para afastar as mulheres do desejo por postos no mercado de trabalho, a mística feminina* as convenceu de que o papel de mãe e esposa era o único divinamente e biologicamente destinado à mulher. As mulheres abandonavam os estudos e se casavam cada vez mais jovens – com o primeiro pretendente que encontrassem – para garantir que conseguiriam cumprir a sua mais importante missão na vida. Na década de 60, passaram a se sentir incompletas, vazias e deprimidas, por não serem incentivadas a buscar qualquer desenvolvimento pessoal, além do universo que envolvia apenas casamento e filhos. Somos todas filhas e netas da mística e sofremos ainda as consequências emocionais disso.
As gerações de homens e mulheres pós segunda guerra foram criadas para fugir de qualquer tipo de responsabilidade ou compromisso, ou seja: fugir da realidade. Numa manobra eficiente da mídia, fomos convencidos de que realizaremos nossos sonhos e seremos capazes de atingir nossos objetivos quando alcançarmos a plena aceitação social. É claro que para isso, precisamos consumir produtos, que nos deem status ou que nos permitam corresponder a um padrão de beleza. No combo dos itens necessários para conseguir a aceitação social, vem o relacionamento. A verdade é que ninguém liga para o seu relacionamento, o dia-a-dia com o parceiro, os momentos bons, os ruins ou sobre o que vocês conversam, mas o relacionamento é uma forma de a pessoa afirmar para a sociedade que foi aceita por alguém. Não é por acaso que mulheres solteiras vivem escutando coisas do tipo: “você é tão linda/inteligente/divertida, por que não namora?”. Como se a única coisa que explicasse uma mulher não ter um namorado, fosse ela não ser aceita por ninguém. O homem por sua vez, se está solteiro é porque tem muitas pretendentes, e quando assume um relacionamento, em geral, é para afirmar a posse de uma propriedade: a mulher.
A febre das influenciadoras digitais caiu como uma luva para a economia da opressão de gênero. Diariamente somos bombardeadas com imagens de casais perfeitos, com corpos perfeitos, em casas gigantes, nos lugares mais lindos no mundo, vivendo férias eternas. Quem, no mundo real, permanece são sendo influenciado por isso? A dependência emocional mora aqui, silenciosa. Cria-se assim uma nova corrida pelo casamento, como se tivéssemos escorregado e caído num tobogã que nos levou de volta para o ano de 1952.
Vivo chateada ao ver amigas mulheres se relacionando de forma monogâmica com o primeiro cara que propõe isso à elas. Isso gera uma verdadeira epidemia de relações abusivas, que nunca deixaram de ser normatizadas e aceitas socialmente, como algo natural e imutável. Existe pouco questionamento sobre o sentido ou a saúde dessas relações, mas elas se sentem aliviadas por pelo menos terem uma relação e poderem afirmar para a sociedade que não estão sozinhas. Cada vez vejo mulheres mais jovens vivendo situações graves de violência doméstica porque acreditam que não possuem uma existência individual, sem o parceiro. Por fim, quando falamos de relacionamentos heterossexuais, o homem se vê perdido sem uma mulher para lhe dizer o que fazer e o que não fazer, já a mulher se sente incompleta quando não está executando seu papel de secretária emocional do homem. Fica claro aqui que nunca fomos incentivados a explorar e conhecer as nossas próprias emoções, depositando nossas expectativas sempre nas ações e emoções do outro. Dependemos da aceitação do outro para confirmar o que somos.
A grande verdade sobre as relações afetivas modernas é que fomos freadas, no meio de um processo longo e doloroso para encontrar sentido em nossas existências individuais autônomas. Por não sermos incentivadas a buscar desenvolvimento pessoal, ao mesmo tempo em que somos forçadas compulsoriamente a gastar toda a nossa energia e dinheiro em produtos e procedimentos que nos tornem mais atraentes para relacionamentos, nos encontramos num limbo emocional onde refletimos muito pouco sobre as nossas próprias vontades. Quando seguimos esse fluxo, fica difícil não depender de um relacionamento, pois precisamos de um para poder depositar nossas expectativas em outra pessoa, e assim nos eximimos da responsabilidade de batalhar por nossas conquistas pessoais e enfrentar os desafios e dores que acompanham essas batalhas.
O meu conselho para você, mulher, é: conhece-te a ti mesma. Busque saber tudo sobre você antes de se envolver com qualquer pessoa. Não dependa de ninguém para realizar um sonho ou plano que você criou sozinha, baseando-se na sua história, seus traumas e seu propósito de vida. Você é um ser único, essa vida é um presente, uma missão só sua. É muito legal poder compartilhar nossas vivências com alguém, mas o quê você está compartilhando quando vive pelo outro?
* A Mística Feminina é uma teoria escrita pela psicóloga Betty Friedan em 1962, após análise minuciosa do comportamento das donas de casa americanas, no período pós segunda guerra mundial.
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Incrível! Vamos abrindo os olhos pra essa manipulação aos poucos, obrigada por compartilhar seus conhecimentos conosco!